SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O nexo causal como elemento da responsabilidade civil. 3. As teorias tradicionais do nexo causal. 4. A presunção no direito. 5. A aplicação da presunção do nexo causal. 5.1. Teoria da responsabilidade pelo resultado mais grave. 5.2. Teoria da redução do módulo da prova. 5.3. Teoria da causalidade alternativa. 5.4. Teoria da responsabilidade por cota de mercado (teoria do market share liability). 5.5. Teoria da presunção de causalidade proposta por Caitlin Mulholland. 5.6. A teoria do take home liability (teoria da responsabilidade civil levada para casa). 6. Conclusão. 7. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Diante da inserção dos princípios da dignidade da pessoa humana[1] e da solidariedade social[2] na Constituição Federal de 1988, o cenário jurídico mudou radicalmente, sendo necessária a releitura dos institutos tradicionais, especialmente da responsabilidade civil, sob a perspectiva do direito civil-constitucional.[3]
Atualmente, ante a mudança do olhar da responsabilidade civil para a proteção dos valores fundamentais do ordenamento, a visão patrimonialista foi substituída pela ótica existencialista, deslocando o eixo central da função da responsabilidade civil do viés punitivo para o compensatório de forma a buscar a plena reparação da vítima.
Esta transformação foi denominada de “giro conceitual do ato ilícito para o dano injusto”[4]. Com efeito, a ampliação do conceito de dano sob o panorama da injustiça impactou diretamente a responsabilidade civil, rompendo suas fronteiras e expandindo os danos ressarcíveis.
Alinhado ao exposto, o crescimento da responsabilidade objetiva, baseada no risco da atividade (art. 927, § único do Código Civil), também trouxe consequências jurídicas aos elementos configuradores da responsabilidade civil, enfraquecendo, inicialmente, o instituto da culpa.
Por conseguinte, o nexo causal se transformou num verdadeiro filtro, suprindo o papel outrora ocupado pela culpa na contenção das demandas indenizatórias. No entanto, com a finalidade de assegurar a reparação da vítima, o nexo causal também tem sido flexibilizado, conforme explica Anderson Schereiber:
A perda desta força de contenção da culpa resulta no aumento do fluxo de ações de indenização a exigir provimento jurisdicional favorável. Corrói-se o primeiro dos filtros tradicionais da responsabilidade civil, sendo natural que as atenções se voltem – como, efetivamente têm se voltado – para o segundo obstáculo à reparação, qual seja, a demonstração do nexo de causalidade. Também aí, entretanto, verifica-se uma relativa perda do papel de filtragem do ressarcimento dos danos, por força de um fenômeno que pode ser genericamente designado como flexibilização do nexo causal.[5]
A denominada flexibilização do nexo causal consiste no processo de facilitação probatória pela vítima de modo a identificar o agente causador do dano e promover a devida reparação mediante a presunção da causalidade.
2. O NEXO CAUSAL COMO ELEMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Caitlin Mulholland conceitua o nexo de causalidade como “a ligação jurídica realizada entre a conduta ou atividade antecedente e o dano, para fins de imputação da obrigação ressarcitória.”[6]
Este elemento da responsabilidade civil possui a função de identificar o responsável para reparar o dano, assim como de delimitar os danos indenizáveis.[7]
O art. 403 do Código Civil[8] traz, de forma rasa e genérica, a noção da causalidade no ordenamento, levando a intermináveis discussões a respeito do tema, bem como à aplicação de diversas teorias para estabelecimento do nexo causal.
3. AS TEORIAS TRADICIONAIS DO NEXO CAUSAL
Há grande crítica da doutrina a respeito da aplicação das teorias do nexo causal, visto que as decisões judiciais, frequentemente, misturam os fundamentos de uma e outra.[9] De outro ponto vista, porém, a indefinição das teorias tem prestado auxílio em relação à ampliação da tutela da vítima, permitindo a flexibilização do nexo de causalidade.[10]
Tradicionalmente, são aplicadas as seguintes teorias no ordenamento jurídico brasileiro: a teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non), a teoria da causalidade adequada e a teoria do dano direto e imediato.
Sobre a teoria da equivalência das condições, em síntese, significa dizer que todas as causas que contribuíram para o evento danoso deverão ser consideradas para fins de imputação da responsabilidade civil. Para demonstrar a problemática desta teoria, a doutrina cita o exemplo da responsabilização do marceneiro que fabricou a cama em que um casal cometeu adultério.[11] Esta teoria raramente é utilizada em sede de responsabilidade civil.
A teoria do dano direto e imediato (também chamada de teoria da interrupção do nexo causal) foi adotada pelo ordenamento, consoante o disposto no art. 403 do Código Civil. A origem da teoria trazia a compreensão de que, para a formação do liame causal, somente poderia ser considerada causa aquela que tivesse um vínculo direto com o dano, sem qualquer outra interferência na cadeia causal.
Todavia, diante da restrição excessiva trazida pela teoria do dano direto e imediato, foi criada a subteoria da necessariedade[12], o que permitiu, por consequência, o esticamento do nexo causal e a proteção da vítima do dano indireto[13], uma vez que o elemento necessariedade passou a ser o parâmetro para a configuração da causalidade.
Em relação à teoria da causalidade adequada, em suma, é aquela que busca identificar a causa mais apta, numa investigação abstrata, à produção do dano. Verifica-se, portanto, se no curso normal dos eventos aquela causa normalmente produziria aquele resultado. De acordo com Gisela Sampaio da Cruz Guedes, no processo de identificação da causalidade, ocorreria uma prognose póstuma[14], ou seja, uma tentativa de adivinhar se o resultado danoso aconteceria sempre que determinada causa aparecesse.
Em que pese a adoção da teoria do dano direto e imediato pelo nosso Código Civil, a teoria da causalidade adequada encontra fundamento no ordenamento brasileiro a partir da técnica da presunção consubstanciada no art. 335 do CPC[15], sendo o juízo de probabilidade inerente à causalidade adequada extraído exatamente através deste processo de análise.
Deste modo, a teoria da causalidade adequada, por ser mais flexível, demonstra-se como forte aliada à presunção no Direito, o que pode auxiliar na concretização da tutela da vítima ao facilitar a configuração do nexo de causalidade.
4. A PRESUNÇÃO NO DIREITO
Nas palavras de Tereza Ancona Lopez, “(…) o que caracteriza a presunção no Direito é a existência de um fato tido por verdadeiro, e verdadeiro, neste caso, é o provável, isto é, aquilo que geralmente costuma acontecer, segundo nossa experiência.”[16]
Pode-se dizer que a presunção nasce em virtude da dificuldade ou impossibilidade de provar determinado fato, levando o Direito a criar este mecanismo a fim de buscar um resultado justo no processo.
Por um lado, a presunção trata-se de uma técnica legislativa que busca auxiliar o magistrado na formação de seu convencimento, enquanto de outro lado a presunção surge como técnica jurídica para facilitação probatória[17]. Assim, percebe-se que a presunção é um instrumento para o juiz e um meio de prova para a parte.
A legislação pátria dispõe de diversos institutos que se utilizam da presunção, tratando-se de mecanismo amplamente aceito no ordenamento. O art. 374, IV do CPC deixa claro que a presunção legal de existência ou veracidade[18] de determinado fato independe de prova, aproximando a presunção legal, na verdade, de um instituto ligado ao ônus da prova e não à presunção propriamente dita.[19]
O art. 375 do CPC[20] dispõe acerca da presunção de fato (homini ou simples), que é aquela em que o juiz, com base na sua experiência, parte de um fato conhecido para formar seu convencimento acerca do caso em exame (fato desconhecido). Então, partindo de hipóteses similares ao caso concreto, o magistrado verifica se o nível de probabilidade daquele evento encontra-se mais próximo da realidade, construindo um raciocínio lógico-dedutivo capaz de conduzi-lo à conclusão da ocorrência do fato.[21]
Nota-se, com efeito, que o convencimento do juízo a respeito das provas apresentadas é motivado por um juízo probabilístico lógico formador da presunção de fato. A lógica da certeza é flexibilizada, abrindo-se espaço para a lógica da probabilidade.
Noutra perspectiva, ao tratar da responsabilidade civil contemporânea, nos casos em que houver dificuldade probatória por parte da vítima e considerando a meta solidarista do ordenamento, a presunção parece ser uma ferramenta apropriada para a concretização da tutela jurídica.
5. A APLICAÇÃO DA PRESUNÇÃO DO NEXO CAUSAL
Não obstante a teoria prevista no art. 403 do Código Civil, diante da adoção da presunção como meio de prova e a consequente admissão do critério probabilístico pelo ordenamento jurídico, conclui-se que a prova do nexo de causalidade poderá ser realizada através da presunção.[22]
Logo, com base no princípio da reparação integral da vítima, tendo em conta a dificuldade probatória em determinados casos, o liame causal necessário poderá ser elastecido com o uso da presunção. Nesta linha, segue a lição de Gisela Sampaio da Cruz:
Em certas hipóteses, a prova do nexo de causalidade não precisa ser necessariamente direta, mas pode ser inferida por meio de presunções. Por meio dessas presunções de nexo de causalidade, em que a probabilidade substitui o elemento de necessariedade para se estabelecer a responsabilidade civil, torna-se mais efetivo o ressarcimento do dano (…).[23]
O Judiciário brasileiro tem admitido a presunção em casos que o estabelecimento do nexo causal é dificultoso, especialmente em razão da carga probatória, buscando o responsável que mais provavelmente tenha dado causa ao dano com o condão de reparar a vítima.[24]
5.1. TEORIA DA RESPONSABILIDADE PELO RESULTADO MAIS GRAVE
Seguindo a linha da relativização da prova do nexo causal, a doutrina e jurisprudência[25] tem mencionado sobre a teoria da responsabilidade pelo resultado mais grave (thin skull rule) nos casos que o causador do dano, além de responder pelos danos diretamente causados, também responderia pelo agravamento do dano ocorrido em razão de alguma condição particular da vítima. Com isso, o agente ofensor seria igualmente responsabilizado pelo resultado mais grave, oriundo de alguma patologia ou fragilidade preexistente da vítima.
A título ilustrativo, no caso de uma pessoa que sofre um acidente e lesiona o braço, mas que, pelo fato de ser diabética, o ferimento não cicatrize, causando a amputação do membro, haveria a imputação da responsabilidade ao causador do dano pelo resultado mais grave (a perda do membro).[26]
Considerando a subteoria da necessariedade, a teoria da responsabilidade pelo resultado mais grave parece inaplicável, pois a sua incidência levaria ao uso da teoria da equivalência das condições, a qual recebe severas críticas da doutrina[27]. Do mesmo modo, a teoria da causalidade adequada não parece apropriada neste caso porque a patologia preexistente da vítima não seria um efeito previsível na investigação da causalidade.[28]
Em que pese a ampliação da responsabilidade civil com o intuito de alcançar a justa reparação da vítima, empregar a presunção da causalidade através da aplicação da teoria da responsabilidade pelo resultado mais grave revela uma arriscada pretensão, pois atribuir-se-ia um efeito à uma conduta não pertencente ao agente causador do dano.
5.2. TEORIA DA REDUÇÃO DO MÓDULO DA PROVA
Uma teoria amplamente utilizada no ordenamento é a denominada teoria da redução do módulo da prova, pela qual extrai-se um juízo de verossimilhança fundado numa convicção de probabilidade nos casos em que há dificuldade probatória.
O procedimento de tutela antecipatória elucida o uso da aludida teoria ao considerar a probabilidade da ocorrência do fato arguido para formar o convencimento do magistrado acerca da verossimilhança defendida pela parte. [29]
No mais, cabe pontuar que a teoria da redução do módulo da prova não se restringe à tutela antecipatória, havendo uma flexibilização da prova em razão da dificuldade na sua comprovação em diversas situações. Como exemplo, cabe citar o caso de extravio de bagagens por companhia aérea, em que o prejuízo material costuma ser de difícil produção, pelo que a jurisprudência tem admitido a aplicação da teoria da redução do módulo da prova com a finalidade de efetivar a reparação do dano causado ao consumidor.[30]
5.3. TEORIA DA CAUSALIDADE ALTERNATIVA
A teoria da causalidade alternativa surgiu na doutrina para proteger a vítima nos casos em que não for possível identificar quem foi o causador do dano, mas apenas o grupo de pessoas de onde surgiu o evento danoso.[31]
Nas palavras de Vasco Della Giustina, “todos os autores possíveis, isto é, os que se encontravam no grupo, serão considerados, de forma solidária, responsáveis pelo evento, face a ofensa perpetrada a vítima, por um ou mais deles, ignorado o verdadeiro autor, ou autores.”[32].
No ordenamento pátrio, consta uma hipótese da causalidade alternativa apregoada no art. 938 do Código Civil[33], o qual dispõe sobre a presunção legal do habitante de um prédio responder pelo dano causado de coisas que caírem dele quando não for possível identificar o causador específico do dano.
Um exemplo paradigmático trazido pela doutrina é o denominado “caso dos caçadores”.[34] Num desfile de carros alegóricos ocorrido no Estado do Rio Grande do Sul, um grupo de pessoas fantasiadas de caçadores proferia disparos de festim em determinado momento do evento. Contudo, um dos caçadores utilizou uma munição real que acabou atingindo um dos espectadores do desfile, causando-lhe graves lesões.
Como não era possível identificar qual dos caçadores proferiu o disparo causador do dano, mas constatado que o dano efetivo ocorreu e que se originou da atividade realizada por determinado grupo (os caçadores), a Corte gaúcha entendeu por facilitar o ônus probatório, presumindo o nexo causal, através da teoria da causalidade alternativa, de maneira a buscar o ressarcimento da vítima.
Nesta esteira, importante citar outro caso de repercussão que envolveu uma briga entre torcidas rivais, culminando na morte de um torcedor.[35] A ação foi proposta pela mãe e filha do falecido a fim de obter uma reparação pelos danos sofridos. O caso chegou ao STJ para julgamento, sendo confirmado o acórdão do tribunal de origem sob o entendimento de que, não obstante a inaplicabilidade na seara criminal, a teoria da causalidade alternativa era perfeitamente cabível em sede de responsabilidade civil.[36]
É certo que a causalidade alternativa tem ampliado sua incidência no ordenamento diante da intensificação da busca pela reparação integral, impulsionada pelo incremento da solidariedade social, o que vem culminando na flexibilização da prova do liame causal[37].
Sobre esta percepção, cumpre comentar um recente caso no estado do Rio de Janeiro em que uma paciente se submeteu a realização de uma cirurgia de hérnia umbilical em determinado hospital[38]. Todavia, cerca de um mês após a cirurgia teve que se dirigir a outro hospital para uma nova cirurgia em virtude do surgimento de enfermidade no seu corpo. No decurso de aproximadamente 3 (três) anos, a paciente realizou 7 (sete) cirurgias, recebendo o diagnóstico de micobactéria não tuberculosa advinda de uma infecção hospitalar.
A sentença julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de que o nexo de causalidade não foi provado, uma vez que o laudo pericial não identificou de qual hospital foi contraída a infecção hospitalar. Em sede recursal, a sentença foi reformada com base na dignidade da pessoa humana e nos princípios da solidariedade e da reparação integral, aplicando-se a teoria da causalidade alternativa ante a dificuldade probatória do nexo causal.
5.4. TEORIA DA RESPONSABILIDADE POR COTA DE MERCADO (TEORIA DO MARKET SHARE LIABILITY)
Nos Estados Unidos, ganhou destaque a teoria da responsabilidade por cota de mercado quando da ocorrência do caso Sindell v. Abbott. Laboratories[39], o qual tratou dos danos causados pelo uso de dietilstilbestrol, o estrogênio sintético (conhecido pela sigla D.E.S).
Diversas empresas americanas vendiam o estrogênio sintético que era utilizado por gestantes que tinham propensão a ter abortos espontâneos. O medicamento foi usado em larga escala durante anos, até ser retirado do mercado em razão da constatação de que as crianças, frutos das gestações de consumidoras do estrogênio sintético, tendiam a desenvolver vários tipos de câncer.[40]
O caso trouxe uma grande discussão na Suprema Corte da Califórnia diante da dificuldade na prova da causalidade, haja vista o tempo existente entre o consumo do produto e a identificação do defeito.
Como não era possível estabelecer de qual empresa era o medicamento utilizado pela demandante, a solução adotada pela Corte americana foi a responsabilização dos potenciais causadores do dano de acordo com a respectiva cota de participação no mercado que cada um possuía na época do evento. Cabe registrar que não foram todas as empresas fabricantes do estrogênio sintético que suportaram a condenação, mas somente aquelas que possuíam grande participação no mercado.
De acordo com a doutrina, para fins de aplicação da teoria da responsabilidade por cota de mercado, devem ser cumpridos alguns pressupostos: i) a impossibilidade objetiva de identificação do causador do dano; ii) a fungibilidade do produto; iii) o produto deve ser perigoso; iv) o produto deve produzir um sintoma típico como resultado do seu uso; v) inexistência de excludentes de responsabilidade; vi) demanda contra empresas com participação considerável no mercado; vii) a vítima deve ter sido exposta ao produto.[41]
Percebe-se que a teoria da responsabilidade por cota de mercado trata-se de uma espécie de causalidade alternativa, considerando-se a impossibilidade de identificação específica do agente causador do dano e a consequente imputação de responsabilidade a determinado grupo. Entretanto, há uma clara diferença entre os institutos, já que na teoria da causalidade alternativa aplica-se a solidariedade entre os integrantes do grupo para fins de indenização, enquanto na teoria do market share liability somente aqueles com participação considerável no mercado responderão na medida da sua cota de participação.
No Brasil, já existem adeptos à utilização da teoria da responsabilidade por cota de mercado, sendo relevante mencionar um caso do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que tratou do pedido de indenização por danos morais derivado do falecimento de um consumidor de cigarro[42]. Neste caso, houve a condenação da empresa fabricante do cigarro, empregando-se a presunção do nexo causal com base na probabilidade de que a causal principal do evento danoso estava vinculada ao vício do tabagismo. Por conseguinte, foi imputada a responsabilidade à demandada pela média da cota de mercado que detinha no período em que o falecido consumiu o fumo[43].
Em se tratando de relações consumeristas, a teoria da responsabilidade por cota de mercado parece trazer uma solução justa para os casos de produtos defeituosos identificados tão-somente após longo período de uso. Outro ponto que corrobora com a aplicação da referida teoria é o fato de que o risco da atividade exercida pelos múltiplos ofensores certamente colocou, ou aumentou substancialmente a probabilidade, a vítima numa posição de elevado perigo.[44]
5.5. TEORIA DA PRESUNÇÃO DE CAUSALIDADE PROPOSTA POR CAITLIN MULHOLLAND
A mudança do olhar da responsabilidade civil para a reparação da vítima possibilitou a releitura das funções do nexo causal (identificar o responsável pelo dano/delimitar o dano indenizável), de maneira a ampliar a proteção da vítima[45].
Nesta linha de raciocínio, através de uma interpretação constitucional e da concepção axiológica da prova[46], partindo dos princípios da solidariedade social e da reparação integral, abraçados pela cláusula geral da tutela da pessoa humana[47], Caitlin Mulholland construiu a teoria da presunção de causalidade com base no método probabilístico[48].
A teoria de presunção de causalidade traz duas hipóteses para a sua utilização, os casos que envolvem a responsabilidade civil objetiva (art. 927, § único do CC) e os danos em massa.
Para fins de aplicação da presunção de causalidade em sede de responsabilidade civil objetiva, são destacados os seguintes pressupostos: a ocorrência efetiva do dano, o risco da atividade desenvolvida e a impossibilidade objetiva da prova. Sobre este último pressuposto, deve ser registrado que não basta o mero obstáculo para a aquisição da prova, a dificuldade para sua obtenção deve ser elevada, para que, assim, o magistrado considere a presunção na formação do seu convencimento.
Já em relação à aplicação da teoria da presunção de causalidade para os danos em massa (danos difusos), a própria natureza dos interesses coletivos já demonstraria a dificuldade probatória inerente à multiplicidade causal normalmente presente em tais casos. Outrossim, a propagação dos efeitos do dano no espaço e no tempotambém seria um fator que aumentaria a dificuldade probatória[49], possibilitando a responsabilização dos ofensores de maneira presumida, mediante o ingresso de uma ação coletiva.
Encontrando o caminho para embasamento desta teoria, utiliza-se a teoria da causalidade adequada a fim de achar o espaço apropriado para enquadramento da presunção de causalidade através do mesmo juízo de probabilidade já tradicionalmente usado.
Descoberta a entrada para aplicação do critério probabilístico, verifica-se a existência da já mencionada presunção de fato, consumada na probabilidade lógica e na experiência do magistrado, com uma reviravolta fundamental, a adição da estatística ao critério probabilístico[50].
Então, para configurar a presunção de causalidade, o magistrado deverá, além de valer-se das regras de experiência comum (art. 335, CPC), identificar, concreta e quantitativamente, casos similares ao caso sob exame com o fim de estabelecer o liame causal de acordo com o percentual de incidência daquele efeito quando da ocorrência de determinada causa. Ou seja, por intermédio da probabilidade estatística, verifica-se se aquele efeito é uma consequência típica daquela causa.
A propósito, percebe-se que a base para ingresso da presunção de causalidade no ordenamento (teoria da causalidade adequada) ganha uma nova roupagem, haja vista a necessidade de investigação de casos concretos para atingir a estatística pretendida.
Nesta perspectiva, a ciência estatística possibilitará a configuração da responsabilidade civil, desde que haja dados científicos suficientes para análise, nos casos em que o grau de probabilidade de determinada atividade ter gerado o dano for elevado, sendo considerado para tanto um percentual superior a 50% (cinquenta por cento).[51]
Um ponto crítico a respeito da teoria da presunção de causalidade é a necessidade de uma quantidade significativa de casos similares para cálculo da probabilidade estatística, o que dificulta sobremaneira a eficácia do uso da presunção de causalidade. No entanto, nas situações em que for possível a comparação e a extração quantitativa razoável de casos semelhantes, parece que a sistematização proposta pela teoria da presunção de causalidade aproxima-se, mais adequadamente, à noção de justiça na sociedade contemporânea.
5.6. A TEORIA DO TAKE HOME LIABILITY (TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL LEVADA PARA CASA)
Recentemente, impulsionado pelos impactos da pandemia da COVID-19, os Estados Unidos trouxeram à tona a teoria do take home liability[52], a qual trata da responsabilidade civil derivada da contaminação de membros da família do empregado que foi exposto e infectado pelo vírus no local de trabalho.
Tal teoria já havia sido utilizada nos casos de responsabilidade civil pela exposição ao amianto[53], onde os membros da família do funcionário pediam reparação em razão da contaminação secundária que adquiriam decorrente do contato com a roupa infectada. Houve, neste caso, a facilitação probatória a fim de remediar os efeitos nocivos causados aos parentes das vítimas do amianto. Logo depois foram criadas normas de restrição do referido produto naquele país.
Ao tratar do nexo causal no ordenamento americano em relação à aplicação da teoria do take home liability no contágio de um membro da família pela COVID-19, Nelson Rosenvald destaca dois pressupostos, primeiramente, que a negligência do empregador deve ser a causa da infecção do funcionário e, em segundo lugar, que a infecção do membro de família deve ter sido causada pela exposição ao funcionário infectado[54].
Certamente, a prova do nexo de causalidade em situações similares é de difícil, senão impossível, produção. De outra banda, parece incontroverso que os empregadores têm a obrigação de adotarem todas as medidas de segurança inerentes ao local de trabalho e aos trabalhadores.
No Brasil, a teoria do take home liability não tem sido suscitada, mas certamente trata-se de uma teoria que possui relevância, especialmente com o fito de aumentar a preocupação e a consequente prevenção dos empregadores em relação à integridade psicofísica dos seus empregados.
A propósito, parece que o ordenamento pátrio tem buscado seguir o caminho da prevenção, como ilustra uma reclamação trabalhista proposta por um empregado que laborava num frigorífico e foi contaminado pela COVID-19. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região condenou o empregador sob o fundamento de que a prova ocorreria através de presunções diante da inexistência de meios científicos hábeis a identificar com certeza o local e o período em que ocorreu a contaminação. Neste sentido, foi levada em consideração a alta probabilidade de contágio naquele ambiente de trabalho e a ausência de prova de que o empregador adotou as medidas de segurança disponíveis, o que culminou na presunção do nexo causal entre o trabalho e a doença que acometeu o empregado[55].
Como exposto, o caso acima retratado não tem relação com a teoria do take home liability, mas versa sobre um caso de flexibilização do nexo causal proveniente de doença adquirida por um trabalhador, pelo que se questiona se a negligência do empregador poderia, no ordenamento brasileiro, ultrapassar a barreira do liame causal necessário para tutelar os membros da família do empregado.
6.CONCLUSÃO
A vida na sociedade contemporânea cada vez mais apresenta novos desafios na seara da responsabilidade civil, sendo certo que a consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República culminou na valorização da função compensatória em detrimento da função punitiva, causando a ampliação da tutela vítima, o que, por consequência, vem impactando frontalmente os elementos tradicionais da responsabilidade civil.
Num primeiro momento, a análise da culpa perdeu sua relevância em virtude do aumento da incidência da responsabilidade civil objetiva, tendo sido descartada em diversas hipóteses. Mais recentemente, o nexo causal vem, gradualmente, sendo relativizado pela doutrina e pela jurisprudência, com a criação ou absorção de teorias que tendem a flexibilizar este elemento, com o escopo de não deixar a vítima sem reparação pelo dano injusto sofrido.
O alargamento da responsabilidade civil, decorrente da flexibilização da culpa e do nexo causal, acarretou o aumento das hipóteses de danos ressarcíveis[56], trazendo grande preocupação na doutrina[57], especialmente em razão do aumento da litigiosidade e da vitimização social.[58]
Noutro giro, não obstante a apreensão relativa à expansão excessiva da responsabilidade civil, é louvável destacar a evolução deste instituto que vem privilegiando a dignidade da pessoa humana nas relações jurídicas. De toda forma, verifica-se que a amplitude da denominada cláusula geral de tutela da pessoa humana traz dificuldades na sua aplicação, muitas vezes calcada em critérios vagos e imprecisos nas decisões judiciais, as quais deixam as soluções jurídicas à margem da criatividade e ousadia das ações indenizatórias.
Neste momento de complexa compreensão, encontra-se a presunção do nexo causal. Por um lado, considerando que a técnica da presunção é aceita no ordenamento brasileiro, resta clara a possibilidade de utilização da presunção do nexo causal para fins de imputação da responsabilidade civil. Em contrapartida, constata-se que a crítica acerca do instituto paira notadamente à forma de sua aplicação pelo Judiciário, ante a discricionariedade judicial e, por vezes, pela falta de fundamentação que acompanha as decisões.[59]
Neste diapasão, percebe-se que o desafio do intérprete na aplicação da presunção do nexo causal encontra-se justamente no parâmetro utilizado para o emprego do instituto. É certo que a aplicação da presunção do nexo causal não deve levar em conta qualquer escolha emocional que tenha o condão de favorecer a vítima incapaz de demonstrar o nexo causal, pelo contrário, devem-se abalizar critérios objetivos capazes de demonstrar que a certeza, no caso concreto, poderá ser substituída pela probabilidade a fim de alcançar o objetivo constitucional.
Para tanto, considerando a aceitação e ampla utilização da técnica da presunção pelo Judiciário, parece que, em casos de relevante dificuldade probatória por parte da vítima, o uso das teorias sobre a presunção do nexo causal expostas no presente artigo, desde que acompanhadas com a devida fundamentação jurídica, pode ser um remédio eficaz para materializar a reparação da vítima.
A questão não é simples, mas há de convir que, em determinadas situações, o caminho solidarista, conjugado com um nível razoável de probabilidade sob a égide da presunção do nexo causal, conduz para uma solução mais justa.
[1]“A pessoa humana foi, com justa causa, elevada ao patamar de epicentro dos epicentros. Como consequência, na responsabilidade civil, o dano à pessoa humana se objetiva em relação ao resultado, emergindo o direito de danos como o governo jurídico de proteção à vítima. Consolida-se a ideia de compensação pelo sofrimento. O direito civil, por isso, passa a “inquietar-se com a vítima”. (FACHIN, Edson. “Responsabilidade civil contemporânea no Brasil: notas para uma aproximação.” Disponível em http://fachinadvogados.com.br/artigos/FACHIN%20Responsabilidade.pdf. Acesso em 23/5/21.)
[2] Se a solidariedade fática decorre da necessidade imprescindível da coexistência humana, a solidariedade como valor deriva a consciência racional dos interesses em comum, interesses esse que implicam, para cada membro, a obrigação moral de “não fazer aos outros o que não se deseja que lhe seja feito”. Esta regra não tem conteúdo material, enunciando apenas uma forma, a forma da reciprocidade, indicativa de que “cada um, seja o que for que possa querer, deve fazê-lo pondo-se de algum modo no lugar de qualquer outro. É o conceito dialético de “reconhecimento” do outro. (BODIN DE MORAES, Maria Celina. Danos à Pessoa Humana. Rio de Janeiro: 2009, Renovar, p. 111/112)
[3] Para Gustavo TEPEDINO, o Direito Civil Constitucional “trata-se, em uma palavra, de estabelecer novos parâmetros para a definição de ordem pública, relendo o direito civil à luz da Constituição, de maneira a privilegiar, insista-se ainda uma vez, os valores não-patrimoniais e, em particular, a dignidade da pessoa humana, o desenvolvimento da sua personalidade, os direitos sociais e a justiça distributiva, para cujo atendimento deve se voltar a iniciativa econômica privada e as situações jurídicas patrimoniais.” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil, Tomo I. Rio de Janeiro: 2008, Renovar, p. 23.)
[4] GOMES, Orlando. Tendências modernas na teoria da responsabilidade civil. In: Estudos em homenagem ao professor Silvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 293 e 295, apud, BODIN DE MORAES, Maria Celina. Danos à Pessoa Humana, op. cit., p.177.
[5] SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil – da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. Rio de Janeiro: 2013, Ed. Atlas, p. 51.
[6] MULHOLLAND, Caitlin Sampaio, A responsabilidade civil por presunção do nexo de causalidade, 1ª Ed., Rio de Janeiro: GZ Editora, 2010, p. 57.
[7] CAIO MARIO, ao tratar do nexo causal, deixa claro que “este é o mais delicado dos elementos da responsabilidade civil e o mais difícil de ser determinado.” (PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 76.)
[8] “Art.403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direta e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.”
[9] “Ocorre, desse modo, que, para se entender o panorama da causalidade na jurisprudência brasileira, cumpre ter em linha de conta não as designações das teorias, não raro tratadas de modo eclético ou atécnico pelas cortes, mas a motivação que inspira as decisões.” (TEPEDINO, Gustavo. “Notas sobre o nexo de causalidade”, Revista jurídica 296 – Junho/2002 – Doutrina Cível, p. 11.)
[10] SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil – da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos, op. cit, p. 65/66.
[11] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, p. 66, apud, CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 45.
[12] “Formulou-se uma construção evolutiva da teoria da relação causal imediata, denominada de subteoria da necessariedade da causa, que considera sinônimas e reforçativas as expressões dano direto e dano imediato, ambas identificadas com a ideia de necessariedade do liame entre causa e efeito. (TEPEDINO, Gustavo. “Notas sobre o nexo de causalidade”, op. cit., p. 10)
[13] Agostinho ALVIM defendia a teoria do dano direto e imediato expondo que “suposto certo dano, considera-se causa dele a que lhe é próxima ou remota, mas, com relação a esta última, é mister que ela se ligue ao dano, diretamente. Ela é causa necessária desse dano, porque a ela se filia necessariamente; é causa exclusiva, porque opera por si, dispensadas outras causas.” (ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências, p. 380-381, apud, CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil, op. cit., p.103)
[14] CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil, op. cit., p. 67.
[15] FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de Direito Civil, vol. 3, Responsabilidade Civil, 2ª ed. Ed. Atlas, São Paulo: 2015, p. 374.
[16] LOPEZ, Tereza Ancona. A presunção no direito, especialmente no direito civil. RT, SP, julho 1978, v. 613, p. 29, apud, MULHOLLAND, Caitlin Sampaio, A responsabilidade civil por presunção do nexo de causalidade, op. cit. 197/198.
[17] Idem.
[18] Como exemplos de presunção legal, cita-se a presunção de filiação (art. 1.597, CC), a comoriência (art. 8º, CC, e a revelia (art. 344, CPC).
[19] MULHOLLAND, Caitlin Sampaio, A responsabilidade civil por presunção do nexo de causalidade, op. cit., p. 200/201.
[20] “Art. 375. O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.” No CPC de 1973, o artigo 375 trazia no início do texto a expressão “em falta de normas jurídicas particulares”, pelo que parece que o legislador atribuiu maior relevância à aplicação da presunção ao excluir esta parte do texto da norma.
[21] “Há, então, um fato “secundário” provado e, por sua ocorrência, extrai-se a consequente existência (ou inexistência) do fato “primário”, em que se tinha, efetivamente, interesse. Esse juízo é possível diante de um critério racional indutivo de normalidade ou de probabilidade lógica da coexistência de ambos os fatos. Ou seja, tem-se, no cerne da figura, uma ideia de silogismo: ocorrendo o fato “A”, sempre deve ocorrer o fato “B”; verificada a ocorrência do fato “A”, então também ocorreu o fato “B”.” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, Vol. 2, RT, São Paulo: 2015, p. 294.)
[22] “Sendo a presunção um meio de prova que admite uma solução de tipo probabilístico, não importa se o objeto da prova (no caso, o nexo de causalidade) é certo ou provável, porque a técnica da probabilidade é permitida através da ficção da presunção e da regra da inferência probabilística que toma o lugar da inferência necessária como paradigma do sistema de provas.” (MULHOLLAND, Caitlin Sampaio, A responsabilidade civil por presunção do nexo de causalidade, op. cit., p. 207.)
[23] CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil, op. cit., p. 261.
[24] “De certa forma, pode-se afirmar que as cortes têm se recusado a dar à prova do nexo causal o mesmo tratamento rigoroso e dogmático que, no passado, haviam atribuído à prova da culpa, com tão injustos resultados, preferindo navegar por opções teóricas mais ou menos amplas diante de uma legislação lacônica sobre a matéria.” (SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil – da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos, op. cit, p. 66)
[25] Apelação Cível nº 0017208-95.200.8.26.0451, Des. Rel. Rômolo Russo, 7ª Câmara de Direito Privado, julgado em 17/09/2019, TJSP; Apelação Cível nº 0019534-94.2011.8.19.0209, Rel. Des. Marcia Alvarenga, 17ª Câmara Cível, julgado em 28/11/2018, TJRJ.
[26] Ao tratar das concausas preexistentes, concordando com a imputação da responsabilidade pelo resultado mais grave, CAVALIEIRI dispõe que: Assim, por exemplo, as condições pessoais de saúde da vítima, bem como as suas predisposições patológicas, embora agravantes do resultado, em nada diminuem a responsabilidade do agente. Será irrelevante, para tal fim, que de urna lesão leve resulte a morte por ser a vítima hemofílica; que de um atropelamento resultem complicações por ser a vítima diabética; que da agressão física ou moral resulte a morte por ser a vítima cardíaca; que de pequeno golpe resulte fratura de crânio em razão da fragilidade congénita do osso frontal etc.” (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 11ª Ed. rev. e amp. São Paulo: Atlas, 2014, p. 79.)
[27] Ver tópico 3 deste artigo.
[28] Sobre o assunto, CAIO MARIO cita que: “Em estreita ligação com esta, levanta-se o problema relativo ao “estado patológico da vítima anterior à lesão”. Quaestio est se no fato de indenizar integralmente a vítima estaria envolvida a reparação de traumatismos anteriores. Yves Chatier discute-o à luz de farta bibliografia e da jurisprudência, concluindo que o agente não pode ser responsabilizado pelo estado patológico preexistente da vítima, nem mesmo a sua agravação se esta não é imputável ao acidente.” (PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil, op. cit., p. 81.)
[29] “Como se tentou demonstrar anteriormente, a prova não pode ser encarada como um mecanismo de reconstrução da verdade dos fatos. Ao contrário, deve ser vista como elemento retórico, destinado a convencer o magistrado da aparência (verossimilhança) das alegações expendidas pelas partes, e nesse sentido desvincula-se completamente dos fatos pretéritos. Tem por escopo prestar-se como elemento de argumentação, capaz de permitir a “construção dialética” da realidade, libertando-se de qualquer preconceito ôntico que pudesse carregar intrinsecamente. E dentro dessa ótica que se pode (e se deve) admitir a “redução do módulo de prova”, que, aqui, não deixa de ser mais do que uma modificação do âmbito do diálogo argumentativo. (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, op. cit., p. 307.)
[30] Apelação Cível nº 1.595.876-2, 10ª CC, Relator: Juiz Subst. 2º G. Carlos Henrique Licheski Klein, julgado em 23/03/2017, TJPR. A seguir, outros exemplos de aplicação da teoria da redução do módulo da prova: Recurso Cível nº 71007673270, Rel. Ana Claudia Achapuz Silva Raabe, julgado em 20/06/2018, TJRS; Apelação Cível nº 027274692.2013.8.09.0164, Relator Des. Leobino Valente Chaves, julgado em 08/03/2021, TJGO.
[31] “O incremento do número de danos produzidos por grupos de pessoas, sem que seja possível identificar o agente causador do prejuízo, somado à crescente preocupação do Direito com a vítima, tem provocado reações da doutrina e da jurisprudência, no sentido de admitir, em certas hipóteses, a substituição da causalidade real ou efetiva pela causalidade suposta.” (CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil, op. cit., p. 307)
[32] GUISTINA, Vasco Della. Responsabilidade civil dos grupos, Aide, p. 77, apud, GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, 15ª Ed., Saraiva: 2013, p. 241.
[33] “Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.”
[34] TJRS, 1ª CC, RE nº 86.446, Rel. Antônio Neder, julgado em 14/06/77.
[35] STJ, 4ª T., Resp. 26795, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 18.01.2001.
[36] O Ministro Barros de Monteiro expôs o seguinte no seu voto: “(…) coloco-me de acordo com o voto proferido pelo em. Ministro Relator, anotando mais que a autoria do fato se encontra abrangida no moderno conceito da “causalidade alternativa” ou da “responsabilidade de grupo”, nos termos em que realçados pelo condutor do Acórdão recorrido. Deve ser tido em conta sobretudo que, no caso, os réus participaram da agressão como os grandes interessados na proteção de um integrante do grupo familiar, envolvido no início dos acontecimentos (…)”
[37] Um caso curioso tratou da responsabilidade civil de candidatos a eleições municipais em razão de um tombo levado por uma eleitora em panfletos de divulgação (“santinhos”) espalhados no local de votação. Em sede recursal, houve a condenação do grupo de candidatos com base na teoria da causalidade alternativa. (Apelação nº 000511-175.2013.8.26.0400, Des. Rel. Francisco Loureiro, 1ª Câmara de Direito Privado, julgado em 15/08/2017, TJSP)
[38] Apelação nº 0327063-65.2013.8.19.0001, Des. Rel. Marcos Alcino De Azevedo Torres – Julgamento: 12/06/2019 – 27ª Câmara Cível, TJRJ.
[39] Sindell v. Abbott Laboratories, (1980) 26 Cal. 3d 588.
[40] Trata-se de um caso típico de aplicação da teoria do risco do desenvolvimento, uma vez que o risco do produto não foi identificado quando da sua introdução no mercado, mas somente anos mais tarde em função do desenvolvimento tecnológico.
[41] MULHOLLAND, Caitlin Sampaio, A responsabilidade civil por presunção do nexo de causalidade, op.cit., p. 238/239.
[42] Apelação Cível nº 70059502898, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator Des. Eugênio Facchini Neto, julgado em 18/12/2018.
[43] No entanto, a decisão foi reformada pelo Superior Tribunal de Justiça, sob o entendimento de que não há defeito no produto e que o hábito de fumar trata-se de livre arbítrio do consumidor. (AgInt no REsp 1843850/RS, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 10/08/2020, DJe 17/08/2020)
[44] Neste contexto, a teoria do market share liability aplica-se perfeitamente aos casos oriundos de danos causados pelo amianto. A dificuldade probatória já se mostrou presente em diversas ocasiões em casos desta natureza, conforme verifica-se no julgado a seguir. “Recurso Ordinário. Ausência de nexo técnico-epidemiológico. Teoria do Risco. Não aplicação. Indenização por danos morais indevida. A responsabilidade civil está fundada no tripé dano, nexo de causalidade e dolo/culpa do agente. A teoria civilista do risco diz respeito ao terceiro requisito mencionado, defendendo a responsabilização do agente pelo dano, independentemente da existência de dolo ou culpa de sua parte, ou seja, objetivamente. Por outro lado, somente pode se falar em responsabilização objetiva da empresa caso a enfermidade a que foi acometida a trabalhadora guarde nexo de causalidade com o seu mourejo para a ré, consistente em atividade de risco, ocasião em que se dispensa a prova do dolo ou culpa da empresa. Não se vislumbrando a vinculação técnica-epidemiológica, a teoria do risco não é suficiente para socorrer a tese laboral, sendo indevida a condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos morais.” (Proc. nº TRT-0000587-77.2010.5.06.0002 (RO), 4ª Turma, Rel. Des. Gisane Barbosa de Araújo, julgado em 25/06/2014, TRT 6ª Região). Em novembro de 2017, o uso de amianto foi proibido no Brasil (ADIs 3406 e 3.470, STF, 29/11/2017).
[45]“O que impede que se proteja o autor do dano em detrimento da vítima, como se fazia outrora, ou melhor, o que torna hoje preferível proteger a vítima em lugar do lesante, é justamente o entendimento (ou, talvez, o sentimento) da consciência de nossa coletividade de que a vítima sofreu injustamente; por isso, deve ser reparada.” (BODIN DE MORAES, Maria Celina. Danos à Pessoa Humana, op. cit., p. 179/180)
[46]“Pensar que se possa interpretar a norma singular na sua nudez linguística, como realidade solitária, irregular, errante, torna-se, de um ponto de vista lógico, uma petição de princípio e de um ponto de vista axiológico, uma escolha não conforme à vigente hierarquia das fontes e dos valores.” (PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na Legalidade Constitucional, Trad. de Maria Cristina de Cicco, Ed. Renovar, Rio de Janeiro: 2008, p. 629.)
[47] “Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução de desigualdades sociais, juntamente com a previsão do §2º do art. 5º, no sentido da não exclusão de quaisquer direito e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento.” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil – Tomo II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-constitucional Brasileiro, p. 54)
[48] Nesse sentido, pode ser vista a obra de Caitlin Sampaio Mulholland: A responsabilidade civil por presunção do nexo de causalidade, 1ª Ed., Rio de Janeiro: GZ Editora, 2010.
[49] Sobre os danos em massa, um exemplo que demonstra a dificuldade probatória decorrente da sua amplitude e disseminação no tempo é o dano nuclear (bomba nuclear de Hiroshima).
[50] Caitlin Mulholland faz uma crítica à probabilidade lógica, ressalvando que “…enquanto a probabilidade estatística é demonstrada de forma científica, objetiva e empírica, através de cálculos matemáticos e autuariais, a probabilidade lógica depende sobremaneira da capacidade de interpretação lógica do magistrado sobre a ocorrência dos resultados danosos que se visa indenizar. A probabilidade estatística possui a vantagem de configurar-se como um método de análise que por sua objetividade fornece ao magistrado a segurança para decidir a respeito da existência ou inexistência da relação causal, tendo o respaldo para tanto de uma prova pericial.” (MULHOLLAND, Caitlin Sampaio, A responsabilidade civil por presunção do nexo de causalidade, op.cit., p. 307/308)
[51] Idem, p. 303.
[52] Sobre o assunto, ver Nelson ROSENVALD, “A teoria do Take Home Liability: a responsabilidade civil do empregador por contaminação pela Covid-19 dos familiares do empregado.” Disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/direito-privado-no-common-law/341249/a-teoria-do-take-home-liability. Acesso em 13/07/2021.
[53] Idem.
[54] Idem.
[55] RORSum nº 0020462-40.2020.5.04.0551 – 4ª Turma, TRT 4ª Região, Relatora Des. Ana Luiza Heineck Kruse, julgado em 25/03/21.
[56] Anderson SCHREIBER traz alguns exemplos de “novos danos”, tais como: dano à vida sexual, dano de nascimento indesejado, dano de férias arruinadas, dano de mobbing, dano de processo lento, dano à tranquilidade pessoal, dano por abandono afetivo, dano de brincadeiras cruéis etc. (SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil – da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos, op. cit., p. 92/95)
[57] Gustavo TEPEDINO advertiu há alguns anos que: “E nem mesmo a caótica intervenção do Estado em áreas sociais críticas – como saúde, transporte, segurança pública – autoriza o superdimensionamento do dever de reparar para a promoção de justiça retributiva entre particulares. Tão grave quanto a ausência de reparação por um dano injusto mostra-se a imputação do dever de reparar sem a configuração de seus elementos essenciais, fazendo-se do agente uma nova vítima”. (Editorial. Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC. vol. 24. Rio de Janeiro: Padma, 2004.)
[58] SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil – da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos, op. cit., p. 4.
[59] Neste sentido, SCHREIBER dispõe que “verifica-se, contudo, em diversas ocasiões, o recurso a expedientes mais drásticos, como a desconsideração de uma excludente de causalidade jurídica ou a aplicação de teorias que, sem se propor a explicar o significado da causalidade jurídica, logram expandir a margem de discricionariedade do juiz na imposição da responsabilidade civil.” (SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil – da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos, op. cit., 67.)
7.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BODIN DE MORAES, Maria Celina. Danos à Pessoa Humana. Rio de Janeiro: 2009, Renovar.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 11ª Ed. rev. e amp. São Paulo: Atlas, 2014.
CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
FACHIN, Edson. Responsabilidade civil contemporânea no Brasil: notas para uma aproximação. Disponível em http://fachinadvogados.com.br/artigos/FACHIN%20Responsabilidade.pdf.
FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de Direito Civil, vol. 3, Responsabilidade Civil, 2ª ed. Ed. Atlas, São Paulo: 2015.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, 15ª Ed. Saraiva, São Paulo: 2013.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, Vol. 2, RT, São Paulo: 2015.
MULHOLLAND, Caitlin Sampaio, A responsabilidade civil por presunção do nexo de causalidade, 1ª Ed., GZ Editora, Rio de Janeiro: 2010.
PEREIRA, Caio Mario Silva. Responsabilidade Civil, 9ª Ed., Rio de Janeiro: 2000, Ed. Forense.
PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na Legalidade Constitucional, Trad. de Maria Cristina de Cicco, Ed. Renovar, Rio de Janeiro: 2008.
ROSENVALD, Nelson. A teoria do Take Home Liability: a responsabilidade civil do empregador por contaminação pela Covid-19 dos familiares do empregado. Disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/direito-privado-no-common-law/341249/a-teoria-do-take-home-liability.
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil – da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. Rio de Janeiro: 2013, Ed. Atlas.
TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre o nexo de causalidade, Revista jurídica 296 – Junho/2002 – Doutrina Cível.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil, Tomo I. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil – Tomo II, 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-constitucional Brasileiro.
TEPEDINO, Gustavo. Editorial. Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC. vol. 24. Rio de Janeiro: Padma, 2004.