1.INTRODUÇÃO
A pandemia do COVID-19 potencializou a complexidade do mundo VUCA, no qual nos encontramos. O mundo do Direito, no que tange ao Poder Judiciário e aos escritórios de advocacia, não pôde ficar alheio a tantas mudanças e precisou se reestruturar.
Diversas ferramentas tecnológicas passaram, portanto, a ser utilizadas, para otimizar processos, reduzir custos e auxiliar no controle gerencial.
O caráter disruptivo dessas tecnologias é incontestável, uma vez que remodelaram completamente as atividades realizadas por diversos profissionais. Destacamos que tecnologias disruptivas são aquelas que “desafiam e mudam o funcionamento de uma empresa ou setor” (SUSSKIND, 2010, p. 39-49).
O presente artigo objetiva abordar os impactos da Transformação Digital na área jurídica, através das inovações tecnológicas atualmente utilizadas nos escritórios de advocacia, nos departamentos jurídicos das empresas e no Poder Judiciário para fomentar o debate a respeito das competências necessárias para os atuais e futuros operadores do Direito.
2.TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NO AMBIENTE JURÍDICO
2.1 Processo eletrônico e plataformas no Brasil
A lei nº 11.419/06 informatização do processo judicial, alterando a lei nº 5.869/73. Essa nova lei foi considerada um marco na transformação digital na área jurídica dado que regulamentou, através da utilização de meios eletrônicos, toda movimentação processual realizada nos processos civil, penal e trabalhista, assim como nos juizados especiais, em todos os graus de jurisdição. O objetivo da lei, com isso, era a redução de despesas e a promoção de soluções judiciais mais céleres (SILVA e SOUZA, 2015).
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apostou no software de processo eletrônico PROJUDI como meio de informatizar todos os cartórios judiciais do país. No ano de 2013, pela resolução nº 185/2013, o CNJ, para unificar e padronizar os sistemas informatizados no âmbito do poder judiciário, instituiu o Sistema Processual Judicial Eletrônico (PJe) como ferramenta a ser utilizada nos tribunais. Essa nova ferramenta impactou, consideravelmente, o número de processos eletrônicos autuados. Ao todo, são mais de 40 (quarenta) sistemas usados pelos mais de 90 (noventa) tribunais, entre instâncias e esferas existentes, conforme relatado por Grillo (2017). Todavia, independentemente do sistema utilizado pela federação, a lei nº 11.419/06 deve prevalecer e regular os processos judiciais eletrônicos.
Segundo a Justiça em Números (2020), a política de integração e incentivo do CNJ à virtualização dos processos judiciais tem constatado grande progresso na informatização dos tribunais, impactando, significativamente, no aumento do percentual de demandas distribuídas eletronicamente.
Ainda de acordo com a Justiça em Números (2020), há uma nítida tendência de virtualização do Poder Judiciário, que se confirmou no ano de 2019, diante do volume de novos processos eletrônicos e a forma de interposição destes. Comparativamente, em 2009, a cada dez novas ações judiciais, apenas uma era proposta via computador, celular ou tablet e o percentual de ingresso de processos eletrônicos era de 11,2% (onze vírgula dois por cento). Hoje, são nove para cada dez novas demandas e o índice de ingresso já nesta realidade é de 84,6% (oitenta e quatro virgula seis por cento).
- Mediação e arbitragem on line
A Constituição Federal de 1988 assegura, em seu art. 5°, inciso XXXV, o amplo acesso à justiça (BRASIL, 1988). Por múltiplos fatores, cujas causas fogem aos limites desse artigo, a elevada demanda da sociedade por acesso à justiça culminou no congestionamento do Poder Judiciárioue não consegue, de modo eficaz, atender às necessidades da população. Com efeito, a jurisdição estatal, congestionada de processos, compreende custos elevados, morosidade e alta complexidade, configurando uma crise da justiça e grande insatisfação popular (CABRAL, 2018, p. 331).
Diante desse quadro, soluções que visem garantir a tutela dos direitos de maneira a contribuir para Poder Judiciário são cada vez mais necessárias. Nesse viés, mecanismos que contribuam para solucionar os conflitos da população, sem que seja necessária a plena atuação da máquina judiciária, tem se consolidado exponencialmente (LIMA, FEITOSA, 2016, p. 65).
Nesse contexto, crescem em importância os meios alternativos de solução de conflitos, dentre os quais destacam-se a mediação e a arbitragem.
A mediação é concebida como uma forma de acesso à justiça por meio do restabelecimento do diálogo entre as partes, “auxiliando-as a chegar a um reconhecimento recíproco que produza uma nova percepção do conflito” (SPENGLER; PINHO, 2018, p. 220). A mediação é um método autocompositivo, visto que a solução é produzida pelas próprias partes, sem que o poder decisório seja responsabilidade de terceiros.
Destacamos que a mediação tem sido oferecida por tribunais, por empresas privadas de mediação, e, até mesmo, por plataformas online criadas para reduzir os obstáculos entre as partes. Nessa esteira, o CNJ, por meio da Resolução n° 358 de dezembro de 2020 (BRASIL, 2020), determinou que os tribunais devem disponibilizar sistema informatizado para a resolução de conflitos por meio da conciliação e mediação.
A título de exemplo, citamos a plataforma consumidor.gov, um serviço público e gratuito que permite a interlocução direta entre consumidores e empresas para solução alternativa de conflitos de consumo pela internet. Decerto, a plataforma do consumidor.gov não exclui a possibilidade do ajuizamento de ação judicial por parte do consumidor ou da abertura de uma reclamação no PROCON (Autarquia de Proteção e Defesa do Consumidor), entretanto, o índice de resolução das reclamações é de 78% (setenta e oito por cento) e o prazo médio de resposta pelos fornecedores é de oito dias. Esse tipo de plataforma reduz, de certa forma, o volume de demandas no Judiciário e, consequentemente, diminui as demandas a serem tratadas pelos departamentos jurídicos das empresas, tornando o caminho para a solução do conflito mais célere e menos oneroso.
Iniciativas como essa trazem benefícios que devem ser estimulados e expandidos como alternativa para reduzir a demanda sobre o Poder Judiciário brasileiro. Contudo, para alavancar o uso dessas tecnologias, é fundamental que sejam reduzidas as barreiras do analfabetismo digital e melhorada a infraestrutura dos serviços de tecnologia da informação e internet, dado que alguns locais e regiões do Brasil ainda não possuem acesso à internet, impedindo o alcance amplo à justiça.
- Jurimetria e análise baseada em dados
A jurimetria, segundo Loevinger (1963), é a pretensão de utilizar a lógica matemática no direito com a seguinte finalidade:
A Jurimetria se preocupa com questões como a análise quantitativa do comportamento judicial, a aplicação da teoria da comunicação e da informação à expressão jurídica, o uso da lógica matemática no direito, a recuperação de dados jurídicos por meios eletrônicos e mecânicos e a formulação de um cálculo. de previsibilidade jurídica.[1]
A história da jurimetria confunde-se com o início da utilização do computador no mundo jurídico. Os primeiros estudos são atribuídos ao inventor do termo “jurimetria”, o advogado de Minnesota Lee Loevinger, que no início da década de 60 escreveu o artigo “Jurimetrics: the methodology of legal inquiry”, onde apresenta a jurisprudência como algo não suscetível a exame científico como problema inicial:
Parece que os problemas de jurisprudência não são passíveis de investigação pela ciência, ou que não houve interesse suficiente nesta possibilidade para produzir qualquer resultado.[2] (LOEVINGER, 1963)
E a jurimetria serviria, segundo seu pensamento, para tornar as decisões judiciais (jurisprudência) experimentadas (como ocorre com os experimentos das ciências exatas) e não somente comentadas.
De acordo com a Associação Brasileira de Jurimetria (https://abj.org.br/), os avanços da computação possibilitaram uma nova forma de encarar as normas e a sua aplicação baseada em dados e, consequentemente, em estatísticas. Por isso, a jurimetria pode ser genericamente definida como a “estatística aplicada do Direito”.
A mesma Associação, no entanto, reconhece que essa definição não esclarece aspectos práticos importantes. Busca, no entanto, dar concretude às normas e instituições, situando no tempo e no espaço os processos, os juízes, as decisões, as sentenças, os tribunais, as partes, trazendo o seguinte exemplo: quando se faz jurimetria, enxerga-se o Judiciário como um grande gerador de dados que descreve o funcionamento completo do sistema, estudando o Direito através das marcas que ele deixa na sociedade.
Assim como em outras métricas mais antigas, como a Econometria e a Biometria, é muito importante que o método de análise dos dados seja transparente e cuidadoso para evitar conclusões equivocadas. Ao colocar o Direito no patamar de Ciência, a Jurimetria se torna ferramenta essencial no embasamento metodológico e na criação de processos estruturados, tornando a aplicação legal coerente, padronizada, mais próxima da realidade e peça importante na criação de uma sociedade mais justa e comprometida com o futuro.
2.4 Audiências online
A Revolução Tecnológica afeta todos os Poderes do Estado e com o Poder Judiciário não poderia ser diferente. Há muito, a doutrina e os aplicadores do Direito questionam o real significado do acesso à justiça, previsto como direito fundamental na Constituição da República brasileira. Em seu aspecto formal, o acesso à justiça envolve atos que representam o acesso físico ao Poder Judiciário. Discute-se então, se este acesso representa o poder de movimentar a máquina estatal – que pode ser feito de forma virtual ou presencial – ou se representa a entrada em um Órgão do Estado – na expressão inglesa “um dia na Corte” (SUSSKIND, 2019).
O Poder Judiciário brasileiro possui diversas iniciativas no sentido de redesenhar a sua atuação para melhor adequá-la ao novo ecossistema digital em que a sociedade se encontra. Em 2020, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, lançou o Plano de Transformação Digital. Além disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou o Centro de Inteligência Artificial, para aprimorar o sistema PJe. E, no mesmo ínterim, o STF ainda adotou a ferramenta “Victor” para exame de recursos extraordinários.
Nota-se, portanto, o direcionamento de todo Poder Judiciário do país para adequação ao modelo digital, com verdadeira transformação no seu desenho institucional, uma vez que não se trata unicamente da digitalização dos processos, mas de reformulação do modelo de prestação de serviços.
Neste panorama, a realização de audiências online, muito incipientes antes da pandemia do Covid-19, tornou-se imperativa. Desde o início de 2020, audiências virtuais têm sido realizadas por todos os Tribunais do país como forma de manutenção da prestação jurisdicional. O processo judicial em si, com isso, tende a ficar mais célere, uma vez que são reduzidos os adiamentos por ausências de partes e testemunhas – que tem maior facilidade de participarem da audiência em suas casas ou locais de trabalho – e instrumentos como cartas precatórias e rogatórias perdem a razão de existir, dado que as partes e as testemunhas podem ser ouvidas de qualquer lugar do mundo.
Quanto às desvantagens, a primeira a ser apontada seria a ausência da presença física do magistrado com as partes. A presença física da persona juiz ainda traz segurança às partes, que aguardam o momento de levar suas demandas presencialmente ao magistrado. Nesta mesma linha, há muitos questionamentos a respeito da fidedignidade dos depoimentos prestados de forma virtual, o que contaminaria as provas orais, pois o magistrado não teria como verificar se as partes e testemunhas estão em locais separados ou se estão baseando seus depoimentos em documentos escritos. Ademais, para alguns, o depoimento prestado através de um meio telemático deixaria a parte e/ou a testemunha mais à vontade para faltar com a verdade. Outro relevante ponto quanto à desvantagem seria a ausência de formalidade, inerente às audiências presenciais.
De fato, as desvantagens apresentadas são relevantes e põem em risco a lisura de todo procedimento. Todavia, alguns cuidados podem ser tomados como tentativa de minorar os riscos apresentados. Primeiro, quanto às provas orais, importante destacar que, diferentemente do ambiente presencial, no meio virtual, todos os depoimentos são gravados, o que traria maior responsabilidade para os depoentes. Segundo, quanto à formalidade, o amadurecimento da realização das audiências virtuais tem demonstrado a importância da condução adequada do processo pelo magistrado, que deve zelar pelo respeito e adequação do ato, instruindo as partes quanto à importância de estarem adequadamente trajadas, em ambiente silencioso, não estarem em veículos automotores ou, até mesmo, se alimentando, no momento da realização da audiência.
A pandemia do Covid-19, dentre outras consequências, teve o condão de acelerar processos que já estavam em curso. Um deles foi a utilização dos meios virtuais para realização de atos processuais. O Poder Judiciário movimenta-se no sentido de manutenção das audiências virtuais e criação de juízos totalmente digitais, indo ao encontro do movimento de disrupção digital experimentado em todas as áreas da sociedade. Nesta direção, o CNJ aprovou, em outubro de 2020, a Resolução 345, autorizando os Tribunais brasileiros a adotarem o juízo 100% (cem por cento) digital.
2.5 Meios de prova eletrônicos
As provas são imprescindíveis para o regular desenvolvimento processual e julgamento apropriado das lides. Com a virtualização das relações interpessoais e comerciais – conversas por whatsapp, relacionamentos por redes sociais, fotografias digitais, gravações de som e imagem eletrônicas – seria incontrolável a necessidade de apreciação destes instrumentos pelo Poder Judiciário.
Atualmente, os conceitos de provas foram ampliados e são plenamente admitidos documentos digitais (escritos, de imagem ou de som) pelas partes, para demonstração dos fatos que baseiam suas alegações no processo, conforme dispõe a resoluções 225 do Código Civil e 369 do Código de Processo Civil.
3.IMPACTOS FUTUROS
3.1 No Judiciário
Historicamente, o primeiro movimento em direção aos processos eletrônicos ocorreu em 2004, com a Criação do Creta, um sistema de acompanhamento processual criado pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Nos anos subsequentes aconteceram diversas ações nesse mesmo sentido. Em 2009 foi celebrado um termo de acordo de cooperação técnica nº 73/2009 entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Conselho da Justiça Federal (CJF) e os cinco Tribunais Regionais Federais, com o intuito de conjugar esforços entre os órgãos para o desenvolvimento do sistema Creta Expansão. Já em 2010, foi assinado o termo de acordo de cooperação técnica nº 43/2010, entre o CNJ e 14 (catorze) Tribunais de Justiça Estaduais, onde o Creta Expansão passou a ser denominado de Sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe) e, em 18/12/2013, foi publicada a Resolução 185 do CNJ, que instituiu o PJe como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais. Os demais atos que se seguiram foram no sentido de ampliar o uso do sistema em todos os Tribunais do país.
A realização dos atos processuais de forma digital permite que magistrado e servidores possam manusear o processo à distância, simplificando e otimizando o trabalho desenvolvido nas unidades judiciárias. Da mesma forma, os advogados e as partes podem deter amplo acesso a processos, bastando buscar pelo processo de interesse para acessar todas as páginas e documentos pelo computador, o que antes demandaria longas esperas nos corredores dos fóruns para retirada de documentos e análise de peças processuais.
Como demonstrado até aqui, a ampliação do uso de meios eletrônicos no processo judicial gera impactos positivos no desenvolvimento processual, transformando “o dia na Corte” em uma experiência muito mais material do que formal (SUSSKIND, 2019).
A desnecessidade da presença física no fórum, com isso, tende a ampliar o acesso à justiça. As características continentais do Brasil, com muitos locais ainda sem Cortes de Justiça, dificultam o comparecimento das pessoas presencialmente ao órgão jurisdicional. Hoje, com a possibilidade de participação no processo através de um veículo digital, como um smartphone, tablete, notebook, entre outros, o acesso ao Poder Judiciário pode ser ampliado (FERRARI et. aI, 2020).
Apesar da resistência encontrada em alguns setores quanto ao uso de smartphones e internet pelos brasileiros como facilitadores do acesso à Justiça, pesquisas já realizadas demonstram que o Brasil está bem posicionado neste aspecto.
3.2 Nos departamentos jurídicos das empresas
A transformação digital nos departamentos jurídicos das empresas tem encontrado diversos desafios, ante a resistência de alguns profissionais do Direito, apegados à tradição inerente à profissão e receosos a respeito dos impactos que o exponencial uso de máquinas pode gerar. Dentre esses receios, podemos destacar: o desconhecimento sobre as tecnologias existentes, o receio de substituição humana pela máquina, o custo de implementação e a necessidade de alinhamento da cultura organizacional.
Contudo, já há algumas práticas de utilização de tecnologia na Gestão de Departamentos Jurídicos e na automação de processos em geral (SPERANDIO, HENRIQUE, 2018), dentre as quais sublinhamos:
- Captura inteligente de novas ações, em que robôs (inteligência artificial) monitoram novas ações contra a empresa em qualquer parte do território nacional;
- Diligências e cópias, em que uma vez capturada a distribuição de nova ação, faz-se o cadastro inicial de toda a informação no sistema. Em caso de processo eletrônico, o próprio robô pode fazê-lo;
- Interpretação de documentos, que consiste na automação com utilização de robô ou de inteligência artificial (IA). Aqui, a IA tem papel importante na interpretação, que pode ser feita pela máquina a partir da incorporação do aprendizado;
- Análise estatística de comportamento / análise preditiva, em que ao analisar o resultado das ações de determinado juiz e estabelecer relações com a causa de pedir, pode-se estimar a probabilidade de a decisão ser ou não favorável;
- Contingenciamento automático atuando diretamente no planejamento estratégico da instituição financeira, a partir do estabelecimento de um histórico e da análise de comportamento das ações passadas, onde seja possível “reler” o contencioso em sua totalidade e emitir uma segunda opinião a respeito das provisões;
- Machine Learning, por meio do processamento de Linguagem Natural, em que a máquina lê e interpreta o documento e faz um cadastro qualificado reflete as regras de negócios da área/empresa.
Os exemplos acima demonstram que, se bem empregada, a verdadeira transformação digital poderá trazer maior celeridade, efetividade, e transparência das informações para a alta administração das empresas, assim como para seus clientes, gerando, consequentemente, redução dos custos a médio e longo prazos.
3.3 Nos escritórios de advocacia
O profissional da área jurídica deve buscar sua adequação ao novo cenário, visando, desta forma, conforme afirma Marques (2021), tornar menos maçante o processo e as atividades repetitivas, que podem ocasionar cansaço e desânimo aos profissionais.
Corolário lógico, portanto, que a substituição de atividades recorrentes por sistemas tecnológicos traz otimização da tarefa, além de sua maior eficácia. A premissa também é válida para as hipóteses de problemas que necessitem deste recurso para sua resolução, através da busca ou consulta aos dados existentes no escritório ou em bancos externos. Os softwares jurídicos têm auxiliado e aperfeiçoado os trabalhos normalmente desenvolvidos pelos operadores do Direto, sejam eles assistentes, estagiários ou advogados.
Para Oliveira (2018), o avanço da tecnologia vem sendo alavancado substancialmente pelas exigências das grandes empresas por maior produtividade e, principalmente, qualidade nos serviços jurídicos prestados. Já Silva e Mairink (2019) consideram que “junto com essa tecnologia os advogados poderão tornar seus serviços mais rápidos, eficientes e modernos”.
Nessa linha de raciocínio, o encadeamento dedutivo é de que as ferramentas tecnológicas substituirão as funções manuais e repetitivas dos profissionais da área jurídica. Todavia, muitas transformações não serão delimitadas para exclusivamente permutar tarefas existentes.
A transformação digital não veio para suplantar o corpo de colaboradores dos escritórios, mas sim para complementar a atuação desses profissionais, permitindo que o serviço entregue tenha maior clareza e objetividade.
Conforme McGinnis e Pearce (2013), a evolução tecnológica provocará uma transformação nos negócios jurídicos, impactando, de uma maneira geral, os achados, as investigações, criação de documentos e a predição de resultados de processos em curso.
3.4 No estudo e formação dos novos profissionais do direito
O ensino jurídico brasileiro tende a ser bastante tradicional e manter formato semelhante àquele da época da sua instituição. Normalmente, os alunos adotam uma postura passiva com significativa distância diante dos professores. No nosso sentir, todavia, a maiêutica socrática mais se adequaria às demandas da vida contemporânea.
Ademais, competências imprescindíveis hodiernamente para o desenvolvimento e formação do bacharel em Direito, não constam dos currículos das universidades.
Diante da compreensão acerca do desequilíbrio entre os que lecionam e a prática social, política, econômica e cultural contemporânea, diversas instituições de ensino de Direito encontram-se reestruturando as matérias do curso (CAMPILONGO e FARIA, 2014).
Assim, segundo Campilongo e Faria (2014), a imposição da abertura da grade curricular jurídica pelo estímulo provocado por outras áreas e a rejeição aos contornos do Direito Positivo como ferramenta de comando social, não são objetos essencialmente atuais nas contendas acerca da reestruturação do ensinamento jurídico. Entretanto, a mudança em um cenário digital fortalece e estimula o retorno deste debate de uma forma mais contundente.
De acordo com Silva, Fabiani e Feferbaum (2021), as modificações impostas pelas transformações tecnológicas têm provocado as instituições de ensino de Direito a repensarem as premissas pedagógicas:
“a nova geração de juristas está sendo formada e preparada para atuar de modo compatível com as demandas do contexto atual? Qual deve ser o papel dos cursos jurídicos diante das mudanças da profissão jurídica? As metodologias de ensino utilizadas são suficientes para capacitar os estudantes de Direito a lidar com os avanços tecnológicos?”
A ponderação acerca das modificações no ensino em virtude da tecnologia na profissão jurídica assinala a premência de um novo arquétipo para o sistema educacional jurídico.
De acordo com Silva (2020) há diferentes formas de se utilizar os instrumentos tecnológicos, digitais e/ou eletrônicos nos ambientes educacionais como, por exemplo, gamificação, votação e pesquisa online, confecção colaborativa, ambientes de testes para simulação, gerenciamento de projetos, conceder acesso a assuntos e temas de interesse geral, diálogo e fabricação de conteúdo.
Para Silva, Fabiani e Feferbaum (2021) a progressão de uma nova visão para o curso de Direto sob a premissa das alterações oriundas da tecnologia na carreira jurídica certamente não transformará o bacharel em um expert nos assuntos colacionados neste tópico, mas possibilita um ambiente profícuo para que os acadêmicos tenham um olhar mais agudo, analítico sobre a função social do Direito e, principalmente, à sua individualidade.
As provocações são capazes de enfrentar um ambiente volátil, sendo uma excelente ocasião para redefinir o ensino no Direito, visando a construção de uma nova categoria de profissional (sejam eles assistentes, estagiários ou advogados), que consiga comungar boa convivência com trabalhos coletivos heterogêneos e, desta forma, encontrando as melhores alternativas e encarando desafios relevantes na sociedade.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo pretendeu demonstrar a impactante transformação digital vivenciada hoje no mundo jurídico. A presença crescente da inteligência artificial e seus algoritmos têm motivado muitos operadores do Direito, tendo em vista seu potencial transformador no ecossistema jurídico.
Apesar da resistência de alguns profissionais do setor, diante da realidade da transformação vivenciada na prática, importante que seja oxigenado o debate no sentido de que a entrada das máquinas no mundo jurídico é inexorável e, portanto, o ensino jurídico deve ser direcionado a capacitar profissionais a atuarem em conjunto com as máquinas e para que fique claro que apesar de algumas atividades, e consequentemente, postos de trabalho possam ser substituídos, muitos outros serão criados, pois o potencial criativo da Revolução Tecnológica é incontestável.
A presença tecnológica no segmento jurídico conduz a uma prestação de serviços mais célere, objetiva, transparente e eficiente. Ademais, as mudanças são incentivadas pela constante busca pela redução dos custos e maior eficiência na entrega dos produtos.
A pandemia do COVID-19 acelerou processos de transformação digital que já estavam em curso, como a digitalização dos processos e virtualização das audiências no âmbito do Poder Judiciário.
Nesse sentido, a informatização dos processos potencializa o uso de diversas ferramentas, como a jurimetria, importante ferramenta na busca de decisões mais céleres e isonômicas e a inteligência artificial para análise de questões repetitivas.
Importante, portanto, aprofundar o debate a respeito da formação dos estudantes de Direito para que possam transitar adequadamente nesse admirável mundo novo jurídico, inclusive com o desenvolvimento não só das competências técnicas, mas também das soft skills[3].
A transformação digital no direito é inexorável e as pesquisas sobre o seu desenvolvimento devem ser aprofundadas. A melhoria das práticas jurídicas, bem como a automação dos procedimentos, tem possibilitado propostas de trabalho mais diligentes e abrangentes, ainda longe de serem usadas em seu inteiro potencial, com possibilidade de ganhos para toda comunidade jurídica.
[1] No original: Jurimetrics is concerned with such matters as the quantitative analysis of judicial behavior, the application of communication and information theory to legal expression, the use of mathematical logic in law, the retrieval of legal data by electronic and mechanical means, and the formulation of a calculus of legal predicability.
[2] No original: If would appear that the problems of jurisprudence are not susceptible of investigation by science, or that there has not been sufficient interest in this possibility to produce any result.
[3] Habilidades comportamentais ligadas ao indivíduo.
6. BIBLIOGRAFIA
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